No meu tempo não tinha isso

“No meu tempo não tinha isso de gay, não”. A frase não foi dita por uma pessoa específica, mas, creio eu, há grandes chances de você já ter ouvido ou até mesmo dito isso no seu círculo social ou, melhor, sua “bolha”.

Até a massificação da internet e a convivência virtual em sites de relacionamento, parecia que nossa família, igreja, escola ou vizinhança era uma amostra do mundo todo. E, adivinhe? Não era.

Essa bolha estoura vez ou outra quando um comentário gordofóbico, homofóbico ou racista, não incomum nos churrascos de domingo de muitas famílias brasileiras, é postado numa rede social qualquer e movimenta uma turba de críticas.

O mundo, ainda que se conteste, é redondo e cheio de gente. Em algum tempo talvez não existisse “isso de ter um monte de gay” porque gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transgêneros eram ignorados. E, quando alguém é ignorado, deixa de existir. Pensa bem, será mesmo que não tinha um LGBT “no seu tempo”?

Matemático e cientista da computação, o britânico Alan Turing era um nome importante na primeira metade do século 20. E gay. Na mesma época, a americana Audre Lorde, ativista pelos direitos civis, era, adivinhe só, lésbica. Até bem pouco tempo, brilhava nos palcos e na TV Astolfo Barroso Pinto, ou Rogéria, a “travesti da família brasileira”. E pra deixar claro que ser LGBT não faz de ninguém um semideus, havia um notável nazista que era gay. Ernest Röhm, chefe da tropa paramilitar do nazismo.

No século 21, em 2020, 50 anos depois da batalha de Stonewall, em um ocidente majoritariamente democrático não cabe mais ignorar alguém. Há LGBTs na literatura, no cinema, no teatro, no jornalismo, na política, dentro de casa, na igreja, na rua, nas chefias, nos presídios, no chão de fábrica, nos estádios, nos vestiários, na pelada do fim de semana, nas redes sociais, lendo a este post. O mundo mudou.

Com a ideia de falar de todas as letras da sigla LGBTQIA+, a Folha lançou em 2019 o podcast Todas as Letras. A primeira temporada está disponível em aplicativos que tocam podcast. Uma segunda temporada deve ser lançada neste ano.

Os textos publicados aqui vão beber dos temas levantados em episódios do podcast e outros assuntos que às vezes não cabem em áudio, mas dão um bom texto.