Valeu, Drauzio
Drauzio Varella parece ser uma unanimidade. Seu poderoso serviço prestado nos últimos dias ao explicar o novo coronavírus, com o didatismo de sua voz serena, o reafirma como uma figura querida dos brasileiros.
No entanto, uma reportagem conduzida pelo médico no programa Fantástico do último domingo (1) não foi sobre o vírus, mas sobre mulheres trans encarceradas, tema que ele conhece bem desde os anos do Carandiru. Talvez ela tenha abalado essa concordância absoluta sobre sua imagem. Afinal, Drauzio tocou em pontos que, como sociedade, preferimos colocar sob o tapete ou jogar na conta do mimimi.
Diferentemente do coronavírus, não há máscara que dê conta de nos distanciar da existência de pessoas que vivem num conflito entre gênero e sexo biológico. Foram mais de 13 minutos de imagens em primeiro plano de mulheres transgênero e travestis custodiadas em penitenciárias paulistas e pernambucanas.
Camisinha, HIV/Aids, casamento, religião, nome social e cirurgia de redesignação sexual foram tópicos levantados. Até imagens de um casamento e um beijo entre uma mulher trans e um homem cisgênero apareceram no vídeo.
Mesmo que nenhum destes temas tenha sensibilizado a mais conservadora das audiências, a edição do material chocou ao falar de solidão: a inescapável sensação que em algum momento acomete os seres que vivem em coletivo. Há pelo menos 8 anos sem receber visitas na cadeia, o desabafo da detenta Susy de Oliveira Santos nos lembrou que podemos ficar sozinhos no mundo.
As histórias narradas por Drauzio no domingo à noite da família brasileira não são dramalhão. Mostram, na verdade, casos de gente que errou e está pagando. Ser LGBT não significa ser um semideus, e o contexto da reportagem explicita isso. Bingo. “Nós” e “eles” parecidos de novo, humanos.
Usar máscara no nariz e na boca pra se proteger de vírus que atacam as vias aéreas é uma escolha. Usar vendas nos olhos pra não ver no outro humanidade é um equívoco. Valeu, Drauzio.