O duplo isolamento de LGBTs na quarentena

Ronny Santos/Folhapress
Renan Sukevicius

A pandemia do novo coronavírus colocou o mundo em stand by. Todos nós, moradores deste planeta, fomos obrigados a nos recolher em alguma medida. Dentro de casa e, por vezes, dentro da gente mesmo. 

E assim como as casas de alvenaria ou madeira, as moradas de pele, carne, osso e consciência também requerem reformas de tempos em tempos. Às vezes, até uma reconstrução.

“Evitem sair do armário durante a pandemia”. Esse foi o conselho dado por uma instituição que dá suporte a LGBTs sem teto no Reino Unido, a The Albert Kennedy Trust (AKT).

O recolhimento estimulado pelos especialistas em saúde fez com que jovens não-heterossexuais fossem obrigados a viver sob o mesmo teto que familiares por vezes intolerantes.

“Não dá pra prever, nesses momentos sem precedentes, como os pais [de jovens LGBTs] reagirão. Eles, como os filhos, estão sob muito estresse”, pontua Tim Sigsworth, diretor da AKT, em entrevista à Sky News.

Pode ser arriscado generalizar uma orientação sobre saída do armário para os LGBTs. O psiquiatra e psicanalista Bruno Branquinho, que faz atendimentos na Casa 1, centro de acolhimento a LGBTs em São Paulo, lembra que “os LGBTs têm que decidir por si próprios o momento de sair do armário”.

Branquinho sugere que o momento de incertezas e fragilidade causado pelos muitos dias em casa pode aproximar as famílias. Porém, muitas vezes é na rua que parte da população LGBT encontra refúgio. Ele diz que a quarentena tem potencializado sofrimentos psíquicos que já existiam.

“Os LGBTs, principalmente os em vulnerabilidade por questões socioeconômicas e pessoas trans, têm sofrido mais. Já sofriam bastante antes. Mas alguns dispositivos de ajuda têm sido tirados por causa do isolamento. Sejam organizações de apoio e mesmo a restrição de contato com grupo de amigos, elenca Branquinho.”

Embora LGBTs vivam sofrimentos diferentes dos do restante da população, a recomendação é a mesma para todo mundo: interação, via redes sociais, com grupos em que são aceitos.

Phelipe Cruz, organizador da VHS, uma das festas mais conhecidas do público LGBT paulistano, e que foi cancelada pela pandemia do novo coronavírus, se diz “preocupado com a galera queer que está em casa”.

“O uso da internet para ter acesso a produtos de entretenimento ajuda a ter saúde mental e manter a cabeça no lugar nessas horas”, opina o também jornalista e blogueiro.

Cruz é otimista quanto ao fim da quarentena. “Quando eu entrar no cinema vou entrar abraçando todo mundo”, diz, ressaltando que geralmente não é muito esperançoso.

“Ir para um show vai ser 10 vezes mais legal. Ir para uma festa vai ser a comemoração da nossa liberdade. O artista que tá em casa, sem o direito de estar com o público, vai fazer apresentações 10 vezes mais legais”, projeta o jornalista.

Também otimista, a drag queen e youtuber Lorelay Fox lembra que a internet, único espaço de convivência para quem está isolado, é o primeiro ambiente em que LGBTs se expressam.

“Eu posso lembrar de mim, quando comecei a me aceitar como gay, há 15 anos, foi na internet que eu conheci outros LGBTs”, relembra Lorelay, que também responde por Danilo Dabague.

Com 1,5 milhões de seguidores nas redes sociais, a drag incentiva outros LGBTs a usarem o distanciamento social para se autoconhecerem.

“Uma coisa que os gays [que querem ser drag queens] fazem quando estão começando é se maquiar e postar foto na internet. Esse é o momento para isso. A internet também é um lugar para passear pelo mundo”, opina Lorelay.