As lésbicas que se passaram por primas para fazer sonhada viagem ao Egito

Em alguns lugares da Europa o turismo tenta dar alguns sinais de vida. Na Espanha, 38 mil ingressos para entrada na basílica da Sagrada Família foram distribuídos de graça aos moradores de Barcelona. A medida é parte do plano de reabertura do monumento que ficou fechado por quatro meses durante a pandemia do novo coronavírus.

A jornalista Fabia Fuzeti, 43, e a produtora audiovisual Gabi Torrezani, 28, brasileiras residentes em Barcelona, estavam entre os visitantes do último domingo (2) e registraram tudo nas redes sociais do blog que assinam juntas, sobre turismo.

Foi um alívio para o feed do Instagram delas, que vinha sendo alimentado com fotos de antigos passeios ou pequenas comemorações, como quando terminou o estado de alarme na Espanha e as viagens dentro do país, fortemente atingido pela Covid-19, foram permitidas.

A retomada do turismo “tradicional” também é o recomeço de discussões sobre turismo LGBT. Fábia e Gabi são um casal, e essa informação muda tudo quando o assunto é viagem. “A gente nunca foi dentro do armário, então desde o primeiro post, a gente escrevia que era um casal, que viajávamos juntas. É a nossa vida”, relembra Fábia.

As blogueiras apontam uma carência de conteúdos específicos para LGBTs que querem viajar, sobretudo escrito por e para mulheres. “A gente precisa falar mais do que as paradas gays [pelo mundo] ou bares gays em Amsterdã”, critica Gabi.

Antes da viagem em si, há uma extensa pesquisa para além das condições do tempo, câmbio ou valor das passagens aéreas. As brasileiras buscam por leis que protegem LGBTs ou o contrário, algum tipo de regra que pune quem não se identifica como heterossexual. Países que recebem bem trabalhos de organizações não-governamentais e paradas LGBTs são possíveis bons destinos.

“Cada vez que a gente vai pra um lugar, a gente faz um post genérico: o que tem pra visitar, onde comer. Mas aí a gente faz um post específico para LGBTs: quais são os bares, o que tem de atração, como a gente se sentiu como um casal, se a gente podia dar as mãos, se a gente sentiu medo, se as pessoas olharam de cara feia”, explica Fábia.

Intermináveis dias e noites no Egito

“A gente sabia que era proibido. A gente achou que ia lidar bem”, relembram. Destino dos sonhos do casal, o país do norte da África não costuma receber bem LGBTs. Não há uma lei específica para julgar e condenar essa população, mas outras leis são usadas pra isso. O país engrossa a lista de mais de 60 nações em que relações homossexuais resultam em prisão. A maioria fica no continente africano. Segundo um relatório da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, seis países preveem pena de morte para LGBTs.

“Depois de tanto tempo fora do armário, trabalhando com ativismo, nas férias, num momento de descanso, ter que voltar pro armário de uma maneira tão brusca, foi difícil. Foram 15 dias muito difíceis. A gente não pôde curtir todas as belezas que as pessoas não LGBT curtem”, relembram.

No Egito, elas se apresentavam como primas. E, como primas, não fazia sentido pedir uma cama de casal no hotel. Por isso, pediram duas camas de solteiro que de noite formavam uma só. Durante a viagem, Fábia fez aniversário. À meia-noite, juntas em um restaurante, elas não puderam sequer trocar um beijo. “É uma merda, você não pode dar um beijo na sua namorada porque você tá num lugar que não pode”, lamenta Fábia.

Na rua, nada de mãos dadas. “Duas mulheres ocidentais, não muçulmanas, viajando sozinhas — porque se você não tem um homem junto, você está sozinha — já causava muita estranheza. Nos hotéis, os guias falavam ‘ué, mas vocês estão sozinhas? Cadê o marido de vocês?'”

O último dia de viagem foi de comemoração. “Depois disso, a gente não quis ir mais pra lugares em que é proibido ser LGBT”, finaliza Gabi.


Ouça o podcast Todas as Letras:

Ao longo do tempo, o movimento conhecido hoje como LGBTQIA+ teve outras nomenclaturas. O L, quando recebeu reconhecimento, foi mudando de lugar no emaranhado de letras e ganhou a primeira posição. No entanto, a invisibilidade ainda é uma das maiores queixas das mulheres que se identificam como lésbicas. O 4° episódio do Todas as Letras, podcast de diversidade afetiva, sexual e de gênero da Folha, discutiu exatamente o que falta para que o devido reconhecimento seja dado. Para isso, duas mulheres, de gerações diferentes, trocam cartas que escreveram para si mesmas com relatos do passado e pretensões para o futuro: