Devota de Nossa Senhora, ex-freira e lésbica
Esqueça o clichê do LGBT que busca na religião uma fuga para sua sexualidade. Antes de ingressar –e passar quase 9 anos –em um convento, a assistente social Marília Gabriela Holanda, 34, nem pensava em sexualidade e afetividade. “Não namorei ninguém antes de ir para o convento”, lembra.
O caso da ex-freira é, antes de tudo, uma história de determinação. “Eu colocava todas as minhas energias naquilo [entrar para a vida religiosa]”.
Marília Gabriela queria viver como Santa Teresinha do Menino Jesus, freira carmelita. “É uma vida totalmente reclusa. Eu queria viver como ela: entregar minha vida toda pra Jesus e viver só pra Ele”.
Com 18 anos, comunicou à mãe que iria para o convento. “Fiz aniversário em junho, em julho eu entrei”, relembra.
Parte desta fixação se deve ao tempo de estudo em colégio católico. As idas frequentes a missas e uma pesquisa incessante pela história dos santos católicos ajudaram também na escolha. “Me identificava com essa vida. E conheci a congregação na qual permaneci por este tempo, me identifiquei com a vida delas, que era uma vida de maior oração, não tinha muita missão”.
Marília Gabriela preferiu não dizer o nome da congregação. A foto que a ex-freira enviou ao blog tem poucas informações do hábito, para evitar represálias.
“Enquanto eu vivi lá dentro, eu vivi intensamente”, conta. Mas a vida passou a ser monótona demais. E, dentro do convento, Marília Gabriela teve sua primeira paixão.
“Eu conheci uma menina, tinha um carinho muito grande por ela e a gente acabou se aproximando muito, e acabou se apaixonando. Eu não sabia bem o que eu tava sentido. Hoje eu eu sei que tava apaixonada”.
A confusão sentimental fez com que Marília Gabriela pedisse para sair. “Eu não queria viver lá dentro se não fosse da maneira correta”, afirma. “Foi muito difícil encarar o mundo aqui fora. Eu tinha deixado de estudar, ia ter de recomeçar a vida, isso assusta. Mas, como eu disse, eu sou muito determinada. Fui determinada a entrar e também a sair”, exclama.
Antes, no entanto, teve de escrever uma carta, pedindo o desligamento. À madre superiora, Marília Gabriela revelou tudo. “Ela disse que se eu quisesse sair e tentar passar um tempo fora, continuar de hábito, e retornar ao convento, eu poderia”.
Mas Gabriela não aceitou. E voltou para a casa da mãe. Quase uma década depois, o mundo era outro, os amigos da adolescência tinham tomado outros rumos. Ah, e a primeira paixão de Marília Gabriela, dentro do convento, também pediu para sair. E não, as duas não ficaram juntas. Sequer se beijaram.
A garota retornou a sua cidade natal e as duas nunca mais se viram. “Ela apareceu na minha vida só para me dar um clique”, reflete.
Os primeiros meses na nova vida foram duros. Marília Gabriela não se reconhecia sem o hábito, teve sintomas de depressão e encontrou apoio em uma colega, também lésbica e ex-freira. “Ela me ajudou a me enxergar no mundo novamente. E acabei namorando com essa minha amiga”, relata, aos risos. “Ela foi minha primeira namorada. A gente passou 2 anos juntas”.
A história da vida pregressa de Marília Gabriela viralizou nos últimos dias na rede social TikTok. A atual namorada montou um vídeo com o antes e o depois da companheira.
“A ideia era fazer com que meus seguidores sentissem a mesma coisa que senti quando a conheci. A gente tava conversando, falamos alguma coisa sobre acordar cedo e aí ela falou que acordou por muitos anos às 4h, porque tinha sido freira. Eu tomei um baque!”, relata Jéssica Alves Mota, 28. Elas estão juntas há quase 5 anos.
“Hoje não me considero católica. Mas é difícil dizer isso porque tenho muitas crenças. Continuo devota de Nossa Senhora, acredito em Jesus, acredito em Deus. Mas não concordo com as coisas que a Igreja Católica impõe. Apesar das pessoas me criticarem, apontarem o dedo pra mim, não me importo, porque eu acredito num Deus que é amor e misericórdia, acredito que ele tá feliz comigo porque eu estou feliz”, descreve.
Marília Gabriela diz que se algum dia sentir vontade de retornar à vida religiosa, pediria “humildemente” para voltar ao convento.
“O Deus que eu acredito não é um Deus castigador, é um Deus de amor”.