Nós sabemos
“O meu apelo, meu convite, minha saudação a todos os devotos e devotas de Nossa Senhora da Piedade, sobretudo para aqueles que estão em suas casas, para que através das redes sociais se sintam muito unidos”.
Esse apelo por união feito pelo arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, aconteceu logo depois dele se recusar a estar na presença do jovem Ricardo Sérgio, da equipe de comunicação da paróquia Nossa Senhora da Piedade, de Espírito Santo, interior do Rio Grande do Norte.
Pelas palavras captadas no vídeo, fica pouco claro o que incomoda o religioso. Pela expressão corporal, fica evidente o motivo. Nas redes sociais, o trecho da transmissão ao vivo recebeu uma enxurrada de comentários, quase todos em apoio ao jovem repórter e contra a homofobia.
E não importa se Ricardo Sérgio, morador de uma cidade com mais de 10 mil habitantes, é ou não gay. O que importa é entender o que o arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, quis dizer quando afirmou que “vivemos num mundo muito complexo”.
Eu fiz essa pergunta à arquidiocese da capital potiguar. A resposta veio em nota. “Venho através desta, como já fiz pessoalmente por telefone, pedir desculpas se posso ter causado algum inconveniente aos irmãos dessa amada paróquia. Quem me conhece sabe que não é do meu caráter e se afasta dos ensinamentos cristãos, que há 46 anos tenho por missão difundir e levar a quantos queiram ouvir, causar qualquer tipo de constrangimento ou desqualificar quem quer que seja. Ao agente Ricardo Sérgio e demais membros daquela equipe da Pascom, meu reconhecimento pelo importante trabalho que desempenham, bem como todas as equipes da Pastoral da Comunicação em nossas paróquias”.
A falta de uma resposta objetiva dá margem a interpretações. O que o arcebispo quis dizer? Por que ele se negou a falar com o repórter? Por que “o mundo complexo” em que vivemos o fez desistir de estar diante daquele jovem?
Você que me lê e é LGBT talvez saiba. Se em algum momento, sobretudo na infância ou adolescência, você teve de corrigir o jeito de andar, ou de falar, você sabe. Se foi vítima de piadas ou risinhos por apenas existir, por vestir uma determinada peça de roupa, você sabe.
Se já sentiu o soco no estômago e o gosto amargo na boca de ser rejeitado por alguém que admirava só por ser quem você é, como fica evidente no rosto de Ricardo Sérgio, você sabe.
Nós sabemos. E não nos esqueceremos.