Todas as Letras https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br Diversidade afetiva, sexual e de gênero Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Todas as Letras agora tem novo endereço na Folha https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/12/01/todas-as-letras-agora-tem-novo-endereco-na-folha/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/12/01/todas-as-letras-agora-tem-novo-endereco-na-folha/#respond Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=511

Caro leitor,

Este blog continua na Folha, mas, agora, em um novo endereço. Acesse folha.uol.com.br/blogs/todas-as-letras para continuar lendo tudo que o Todas as Letras publica.

Os textos já publicados permanecerão neste espaço para serem lidos e relidos.

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Não há homofobia do bem

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Um trem correndo depressa https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/11/21/um-trem-correndo-depressa/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/11/21/um-trem-correndo-depressa/#respond Sun, 21 Nov 2021 16:23:54 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/Design-sem-nome-2-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=505 Um dos lugares mais públicos que São Paulo pode ter, o metrô foi palco de um pedido de casamento entre dois rapazes neste domingo (21).

A dinâmica do ato romântico foi combinada com a equipe da ViaQuatro, empresa que administra a linha 4-Amarela, ligação por trilhos entre o Morumbi, na zona oeste, e a Luz, no centro.

A operação dos trens não foi afetada. Os vagões usados para a cena, na plataforma 2 da Luz, estavam fora de operação e parados. Mas, de certa forma, corriam velozes, simbolicamente, rumo a alguma igualdade.

Maércio Maia, à esquerda, e Renato Lobo, à direita, durante pedido de casamento no Metrô de São Paulo – Renan Sukevicius

“Fazer esse pedido aqui é muito mais do que estar num lugar diferente. É um lugar em que a gente pode publicizar o amor, publicizar a livre expressão de ser quem nós somos. É o símbolo de não estar parado, de seguir em frente”, disse o bailarino Maércio Maia, noivo que organizou a surpresa.

Além do casal, estavam na composição amigos e familiares. Para muitos deles, era o primeiro reencontro desde a pandemia de Covid-19.

Amigos do casal aguardavam, com balões e flores, a chegada dos noivos – Renan Sukevicius

Inclusive, dois amigos em comum foram os cupidos do casal. O primeiro passo do relacionamento se deu numa conversa pelas redes sociais. Uma semana depois, os dois marcaram um café. E em 15 dias eles já estavam juntos.

Durante o isolamento social passaram a dividir o mesmo teto. Já são três anos de união. “Se sobrevivemos à pandemia, é pra sempre”, conclui Maércio Maia, aos risos.

Quando o jornalista Renato Lobo, apaixonado por mobilidade e noivo surpreendido, entrou no trem, as portas foram fechadas. E um operador do Metrô deu boas vindas a ele, prometendo “uma viagem especial”.

Como o trem estava parado em uma plataforma curva, Lobo não percebeu quando o noivo, Maia, amigos e familiares foram se aproximando, já bastante emocionados, por conta da tensão e ao som de “Poema Azul”, na voz da cantora Maria Bethânia, ecoando pelo sistema de som.

“Que a vida nos faça perceber o que de fato a vida é. Que o tempo e ela própria nos apontem que a vida é o que fazemos dela, o fruto de uma constância de ser e estar em companhia”, disse Maércio Maia no pedido, que terminou em um aguardado sim, numa viagem do nada para o lugar nenhum, em que os noivos estavam cercados pelos melhores passageiros que poderiam ter.

 

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Mais um texto sobre homofobia https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/mais-um-texto-sobre-homofobia/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/10/26/mais-um-texto-sobre-homofobia/#respond Wed, 27 Oct 2021 00:10:21 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/16352687286178387827542_1635268728_3x2_xl-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=500 Os dias têm sido cansativos na terra em que os preconceitos saíram da toca vestidos de opinião, sem medo de qualquer predador. 

Há duas semanas, o jogador do Minas Tênis Clube Maurício Souza fez publicações homofóbicas em seus perfis nas redes sociais. Com atraso, e pressionado por patrocinadores, o clube se mexeu.

Segundo o blog Olhar Olímpico, o clube afastou Maurício Souza, impôs multa e exigiu uma retratação por parte do atleta.

Essa é a realidade: dura, baseada em negociações financeiras. As falas preconceituosas do jogador de vôlei que na rua viram crime de ódio (em 2019, foram 32 mortes violentas de LGBTs, segundo o Grupo Gay da Bahia) não passam de risco financeiro no mundo heteronormativo. 

A diversidade está na crista da onda (e dá bom lucro), CNPJs têm surfado. Mas, menos mal, poderia ser o contrário. E é isso o que parece irritar o jogador de vôlei Maurício Souza. Não é mais legal fazer piada com gay, dá prejuízo financeiro rir de pessoas bissexuais. É perigoso apontar pessoas trans.

No dia das crianças, o atleta fez um post no Instagram sobre o personagem Superman ter se assumido bissexual. “É só um desenho, nada demais. Vai nessa e vamos ver onde vamos parar”, escreveu.

Difícil saber aonde vamos parar. Para trás é que não deve ser.  

 

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Você tem uma história sobre a pandemia de HIV/Aids? https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/09/15/voce-tem-uma-historia-sobre-a-pandemia-de-hivaids/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/09/15/voce-tem-uma-historia-sobre-a-pandemia-de-hivaids/#respond Wed, 15 Sep 2021 17:35:20 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/Design-sem-nome-1-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=477 “Quando entrei no quarto, vi um Douglas magérrimo, definhando. Respirei fundo… Ah. E entrei. Conversamos muito, rimos. Só que no fundo eu sabia que nunca mais iria vê-lo”. 

Esse é o relato de uma enfermeira anônima que em 1992 conheceu pacientes vivendo com Aids no hospital do Ipiranga, em São Paulo. A lembrança tem 2 minutos e 37 segundos, e é o primeiro áudio que aparece no feed criado nos tocadores de podcast do Memorial Incompleto da Epidemia de Aids.

Inspirado no Projeto Nomes, surgido nos Estados Unidos em meados dos anos 1980, o projeto terá também uma colcha de retalhos com as lembranças de quem viveu os períodos mais agudos da pandemia que já dura 40 anos.

“Buscamos com este projeto ilustrar a enormidade da epidemia da Aids, encorajar uma atitude de compaixão para as pessoas vivendo com HIV e gerar uma forma criativa de expressão para aqueles cujas vidas foram de alguma maneira tocadas pela pandemia”, destaca Bruno O., coordenador do centro cultural da casa 1.

Além da casa 1, o Acervo Bajubá, o Museu da Diversidade Sexual, a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, o Grupo de Incentivo à Vida e o Pela Vida São Paulo respondem pelo projeto.

Um dos retalhos recebidos pelo projeto – Memorial Incompleto da Epidemia de Aids/Divulgação

Qualquer pessoa que tiver uma história pode participar. Os áudios, que serão anônimos, devem conter de 3 a 10 minutos. A ideia é que sejam divulgados sem edição.

Os depoimentos podem ser enviados para o e-mail educativo@casaum.org e WhatsApp (11) 91013-6994.

 

 

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Bem-vindos ao Brasil invertido https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/bem-vindos-ao-brasil-invertido/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/08/08/bem-vindos-ao-brasil-invertido/#respond Sun, 08 Aug 2021 09:00:45 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/Sem-Título-1-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=471 A deputada paulista Janaina Paschoal (PSL) criticou a doação de marmitas a usuários de drogas e pessoas em situação de rua na região conhecida como Cracolândia, nos Campos Elísios, centro de São Paulo.

Segundo ela, se os dependentes não tiverem alimentos e sim argumentos que os convençam a se tratar, eles param de perambular por ali. Genial. Por que o governo paulista nunca pensou nisso antes?

Inversão da realidade parecida acometeu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). Em meio a maior crise sanitária do nosso tempo, com quase 600 mil mortos e uma vacinação vagarosa, ele decidiu levar a plenário a deliberação acerca do voto impresso. “O voto impresso está pautando o Brasil”, disse ele, enquanto a fome, o desemprego e o medo da morte pela Covid-19 pautam o país.

Esses dois exemplos são parte do combo de delírios argumentativos que acomete há muito tempo as pautas de gênero, sexualidade e afetividade.  Dia desses, a Assembleia Legislativa de São Paulo quis votar um projeto que pretendia proibir a veiculação de propagandas com a presença de LGBTs, como se ver pessoas do mesmo gênero se amando fosse criar uma onda de “contaminações gays”.

A violência doméstica tem explodido na pandemia (o número de denúncias de violência de homens contra mulheres dentro de casa aumentou em 255% no último ano, segundo reportagem da Folha) e é dentro de casa que acontecem também grande parte dos abusos sexuais contra adolescentes e crianças.

O que as autoridades tentam emplacar? A abstinência sexual como método contraceptivo, a proibição de orientações sobre saúde sexual nas escolas e a limitação de direitos de pessoas LGBTs e de famílias homoafetivas.

Aqui no Brasil, quando o telhado da sala tem furos e alaga a sala, a gente propõe acabar com a chuva.

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A internet está doente https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/08/04/a-internet-esta-doente/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/08/04/a-internet-esta-doente/#respond Wed, 04 Aug 2021 16:18:29 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/foto_walkiria-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=466 “Peço que vigiem, porque esta internet está doente”. Essa é uma das falas do dilacerante vídeo postado nas redes sociais pela cantora Walkyria Santos, mãe de Lucas Santos, de 16 anos.

O garoto foi encontrado morto em casa, na manhã desta terça-feira (3), na região metropolitana de Natal. A mãe acredita que os comentários de ódio direcionados ao filho depois de uma postagem com os amigos tenham sido a gota d’água para a morte.

Segundo ela, o filho estava em tratamento psicológico.

No vídeo em questão, Lucas aparece tentando dar um beijo em outro rapaz. Isso foi o suficiente para uma avalanche de execração no país em que homens não estão autorizados a demonstrar afeto por outros homens publicamente. 

Lucas chegou a fazer um outro vídeo para as redes sociais dizendo ser heterossexual. Mas para quem destila ódio, basta parecer LGBTQIA+ para sofrer homotransfobia. 

O Grupo Gay da Bahia, em seu relatório sobre mortes violentas da LGBTs em 2019, apontou que 32 pessoas morreram por suicídio no Brasil por sua orientação sexual. O documento cita um caso ocorrido em Brasília, de um jovem trans de 18 anos que morreu depois de reclamar nas redes sociais do preconceito que sentia. Era um pedido de socorro, mas a resposta veio em ódio. 

Em dados mais recentes, do primeiro semestre deste ano, 2021, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) contabilizou 9 suicídios de pessoas trans no Brasil. 

Os dados dos dois relatórios podem estar subnotificados. A tragédia pode ser ainda maior.

É importante pontuar que o suicídio não tem uma causa única. Os especialistas lembram que este tipo de morte é multifatorial. O Mapa da Saúde Mental e o CVV podem ser dois caminhos para quem precisa de ajuda especializada. 

Como disse Walkyria, a internet está doente. E é porque estamos todos nela. Nós é que estamos doentes. 

O caso Lucas é fruto da homotransfobia mais ordinária: aquela do grito de “veado” que vem das arquibancadas; ou aquela do “aja como homem” dos grupos de família; ou ainda aquela do “abraço hétero” e da “cara de homossexual terrível” que vem de Brasília. 

 

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Se um disco voador pousasse na Paulista https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/se-um-disco-voador-pousasse-na-paulista/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/se-um-disco-voador-pousasse-na-paulista/#respond Sun, 11 Jul 2021 09:00:13 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/nave-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=458 Se um disco voador pousasse na avenida Paulista ninguém perceberia. Essa é a teoria que uma amiga querida me contou certa vez. Estaríamos, segundo ela, tão imersos nos nossos eus que nem daríamos atenção a uma bizarrice como essa. 

Ela ouviu essa hipótese desvairada de alguém e me transmitiu bem antes da pandemia, quando certamente as ameaças que nos rondavam era menos apocalípticas comparados aos dias de hoje.

No Brasil pandêmico,  muitos de nós têm lutado contra um vírus mortal, contra um presidente golpista, contra a fome, contra a desesperança. Essas tarefas árduas e os demais afazeres têm feito com que relativizemos todo o resto, parece.

Em menos de um mês, quatro mulheres trans foram mortas em Pernambuco. E continuamos andando pela avenida Paulista como se os aliens não tivessem acabado de pousar, prontos para atirar em nossos cérebros, implantar-nos chips e iniciar experimentos macabros com nossos corpos.

O que nos faz relevar a vida e morte de Roberta, uma dessas mulheres, incendiada no centro do Recife, aos 32 anos? Ela teve 40% do corpo queimado, os dois braços amputados e morreu no hospital da Restauração, no centro da cidade.

Quero acreditar que seja nossa legítima e árdua luta pela sobrevivência e não um total desprezo o motivo do nosso desapreço.

Do outro lado do Atlântico, uma reação inversamente proporcional à nossa em um caso bem parecido me chamou atenção.

Na Espanha, Samuel Luiz Muñiz, um brasileiro, gay, foi espancado até a morte na porta de uma boate em La Coruña. O crime, motivado possivelmente por homofobia, chocou o país e protestos tomaram as ruas.

A Espanha tem vacinado sua população (vive agora um aumento de infecções por covid depois de afrouxar demais restrições, é verdade) e não tem um fã de torturador no poder. Será que esse é o segredo? Senão, como é que eles viram a nave descendo?

Pelo retrovisor, o Brasil vê barbáries e mais barbáries sem nunca ter gritado um ai: só no primeiro semestre deste ano, 89 pessoas trans foram mortas no Brasil, sendo 80 assassinatos e 9 suicídios. Os dados foram compilados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). De acordo com o boletim, houve ainda 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de direitos humanos. Em seis meses.

Ao que tudo indicada, a nave extraterrestre já pousou na Paulista. E parece que estão atirando.

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Quando faz sol no Recife https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/30/quando-faz-sol-no-recife/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/30/quando-faz-sol-no-recife/#respond Wed, 30 Jun 2021 18:46:11 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/recife-1-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=451 Quando faz sol no Recife, os banhistas na praia de Brasília Teimosa, às 14h30, se abrigam do sol que queima a pele.

No palácio do Campo das Princesas, se o governador pernambucano Paulo Câmara faz uma pausa no expediente durante um dia quente para tomar um chá ou um café, certamente dá uma leve assopradinha para evitar queimar a sensível pele dos lábios.

No Cais de Santa Rita, no dia 24 de junho, Roberta não teve guarda-sol ou assopradinha que a amparasse. O que fazer quando seu corpo está em chamas?

Roberta, uma mulher trans de 32 anos, teve o corpo incendiado em pleno centro do Recife. Um adolescente foi apreendido acusado de cometer o crime. Segundo o Jornal do Commercio, Roberta vive pelas ruas da capital pernambucana.

No hospital da restauração, onde está internada, teve o braço esquerdo amputado e, ao que tudo indica, perderá o braço direito na tarde desta quarta-feira (30), quando o sol já não brilha com tanta força.

As queimaduras de terceiro grau corroeram sua pele da epiderme até os músculos. As lesões atingiram o abdômen, o tórax, os braços e as mãos, totalizando 40% do corpo, segundo a TV Jornal.
Ninguém em Brasília Teimosa ou no palácio do Campo das Princesas sabe como é estar na pele de Roberta.

 

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Domingo no parque https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/domingo-no-parque/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/domingo-no-parque/#respond Sun, 27 Jun 2021 18:50:22 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/diferente-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=448 Em 2013, eu convidei uma urbanista para me dar uma entrevista no parque Augusta, no centro de São Paulo, durante o longo imbróglio sobre a construção de uma área de lazer ali. Eu estava no primeiro ano da faculdade e aquela apuração fazia parte de um exercício da disciplina de jornalismo online. 

Eu tirei um 9, mas com certeza minha nota seria menor se a professora Alexandra Gonsalez, da universidade Metodista de São Bernardo do Campo, onde estudei, soubesse dos outros assuntos muito mais relevantes que deixei de lado para fazer aquela matéria. 

Eu tinha vergonha de morar onde morava, 30 quilômetros ao sul do parque Augusta, num bairro pouco conhecido no distrito do Grajaú, em São Paulo. Por isso, diferentemente de meus colegas, que fizeram pautas tão comezinhas quanto a minha, não falei de alguma questão da minha rua ou do meu bairro. Mas de um lugar duas horas de ônibus, trem e metrô distante de mim.

Meus colegas e meus professores nunca souberam onde eu morava exatamente. Nunca fiz um trabalho em grupo em casa durante a graduação, por exemplo. Aliás, nem no ensino médio. Nem no ensino fundamental. Nunca um colega de escola esteve na minha casa.

Sentia uma grande vergonha do chão de cimento queimado (hoje é moda, mas no começo dos anos 2000 era a opção mais em conta) e das paredes inacabadas da minha casa que, certa vez, foram até o leito de morte de um rato. Depois de comer veneno, o roedor entrou por entre os blocos laranjas de tijolo baiano da sala e dormiu o sono eterno. O mau cheiro motivou uma investigação dos meus pais em busca do pequeno corpo, só mais tarde encontrado. Quebra parede. Tira o rato. Fecha parede.

Eu tinha medo, por exemplo, que, outra vez, a fossa escavada no quintal se abrisse e engolisse tudo, como aconteceu com a lavanderia da minha avó. Sorte ela não estar no tanque no dia, pois seria engolida pela mistura de lama e bosta.

Eu não concebia a ideia de levar alguém em casa e, de repente, acontecer um assassinato. Na infância e na adolescência, não foram poucas as vezes em que minha mãe e eu, na volta do culto de domingo, desviamos de ruas em que alguém havia acabado de ser executado.

Se eu contasse tudo isso à professora Alexandra, talvez ela baixasse minha nota. Por que raios fui até o parque Augusta falar de algo que toda semana falavam aqui na Folha ou no SPTV, se havia questões ao meu redor como acúmulo de lixo e entulho e a infestação de roedores, falta de esgoto encanado e a violência urbana?

Esse aprendizado, que poderia se restringir ao fazer jornalístico, mas que levo pra vida, desmoronou em minha cabeça nesta manhã de domingo (27), quase uma década depois, ao pensar sobre amanhã, o dia do orgulho LGBT. Do que eu devo me orgulhar? Por anos achei que me posicionar como alguém parte desta comunidade fosse ser meu maior desafio. Mas meu armário era muito maior, tinha muito mais coisas.

Durante toda a minha vida profissional até aqui segui negando quem eu era. No meu primeiro emprego como jornalista, mimetizei boa parte dos meus colegas, frequentei os mesmos bares, li os mesmos livros e tive as mesmas opiniões. Não que isso tenha sido errado. Mas eu absorvia tudo aquilo e não dava nada em troca, porque achava que não tinha o que oferecer. Me via como um terreno vazio, mas, mal sabia eu, já estava completamente loteado.

Levei um tempo até conhecer algumas referências culturais, políticas e estéticas de que todos falavam porque passei a infância e a adolescência na igreja, o único teatro, o único cinema e o único espaço de convivência social e política que eu podia acessar com o dinheiro que tinha e sem enfrentar longas distâncias de ônibus e trem.

Foi nesta manhã de domingo que percebi que meu orgulho de ser LGBT só pode existir se eu puder me orgulhar de todo o resto. Ter uma fé cristã-protestante e uma origem periférica são parte do que sou. E é isso o que posso oferecer.

Amanhã é o dia de LGBTs se orgulharem por quem são. E por completo. Orgulho por ser LGBT e torcedor de um time de futebol. E pai. E mãe. E candomblecista. E operador de máquinas agrícolas. E reverendo. E cientista. E médica do SUS. E evangélico. E tudo o que não tem mais espaço no armário e é motivo de orgulho.

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Escavando a purpurina: um mergulho na história LGBT do Brasil https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/04/escavando-a-purpurina-um-mergulho-na-historia-lgbt-do-brasil/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/06/04/escavando-a-purpurina-um-mergulho-na-historia-lgbt-do-brasil/#respond Fri, 04 Jun 2021 16:02:06 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/capa_tal-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=433 A história é contada pelos vencedores. E, certamente, os LGBTs não parecem ser os autores. Dos poucos rastros que existem ao olhar para trás, os jornais Chanacomchana e Lampião da Esquina ou as bíblias Devassos no Paraíso e Além do Carnaval se destacam. No entanto, quase tudo foi produzido durante ou pós o período de repressão militar no Brasil, entre 1964 e 1985. 

Mas esse jogo está virando. Pesquisadores têm ido a campo, buscando pelos trapos da memória LGBT brasileira. O acervo Bajubá, um dos mais destacados, começou em 2010. E foi por acaso.

Hoje, alguns itens do arquivo fazem parte da mostra Madalena Schwartz  – Travestis e transformistas na SP dos anos 70, em cartaz no Instituto Moreia Salles em São Paulo até setembro.

As primeiras peças do Bajubá vinham de pessoas que colecionam revistas de pornografia e ou tinham em suas estantes livros da história LGBT. Havia, também, contribuições mais informais. “Às vezes, vinha de pastinha das Spice Girls, pastinha da Madonna, pastinha da Ana Carolina”, relembra Remom Bortolozzi, psicólogo social e um dos membros-fundadores do acervo.

Boletim Chana com Chana, n.6, nov.-dez.-jan. 1984-1985
Acervo Bajubá

“Em 2010, a gente ainda não tinha o museu da Diversidade, não tinha referencia de aparato público específico sobre memória LGBT. A gente só tinha contato com os livros Devassos no Paraíso [de João Silvério Trevisan], e Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX, [de James Naylor Green], mas eram livros sem nova edição, difíceis de achar. Só se encontrava em sebo, por 200, 300 reais”, relembra.

O jeito foi se basear em acervos acadêmicos, como o da Unicamp, e em iniciativas do Grupo Gay da Bahia e do grupo Dignidade, de Curitiba, que digitalizou um dos mais conhecidos jornais gays da década de 80, o Lampião da Esquina. 

Revista Close, n.6, jun. 1980
Acervo Bajubá

Mas o estopim para a formação do acervo Bajubá foi a descoberta de um nanquim em um antiquário que retratava uma cena de sexo oral lésbico. O achado despertou nos pesquisadores uma sensação parecida com a de avistar uma pintura rupestre em uma caverna escura.

“Segundo minhas amigas, claramente [o nanquim] foi desenhado por um homem, por que uma mulher estaria chupando o umbigo da outra, não o clitóris”, debocha Bertolozzi. Mas o que chamou mesmo a atenção era a inscrição “4ª ilustração do Eu Sou Uma Lésbica”. 

Acervo Bajubá

Esses folhetins, descobriu-se depois, eram publicados na Status, uma revista de nu feminino da década de 70, baseados na obra de Cassandra Rios, uma das escritoras mais perseguidas durante a ditadura militar brasileira. Segundo uma reportagem da BBC News Brasil, durante o regime, 36 dos seus 50 livros publicados foram censurados.

“Esses trapos que a gente vai encontrando em antiquários e que pra maioria não significa nada, são a memória LGBT. A gente tem que escavar, ir atrás de sebo, leilões, nas nossas coleções pessoais, que, às vezes, nem nós mesmos damos importância”.

Nas pesquisas, Bertolozzi e sua equipe identificaram identidades e comportamentos vistos hoje como muito recentes, como a de pessoas trans, mas datados do começo do século passado.

A preservação da memória LGBT na América Latina é tema de um ciclo de debates online promovido pelo Instituto Moreira Salles, como parte da mostra Madalena Schwartz. Nos dias 9 e 10 de junho, o evento vai reunir Remom Bortolozzi e a arquivista cubana Librada González Fernández, do Archivo CubaneCuir. 

Aqui no Brasil, sem grandes pretensões, o acervo  Bajubá deslanchou na esteira da digitalização dos sebos e chegou aos dois mil e quinhentos itens –ainda sem catalogação técnica. Há, no total, 12 colaboradores, em diferentes grupos de trabalho. Os arquivos podem ser acessados pelo site e presencialmente, com agendamento prévio.

De todo o material, destacam-se o acervo de pornografia e arte homoerótica brasileira com mais de 600 edições de revistas da década de 60 aos dias de hoje, uma coleção de medicina, saúde e memória da pandemia de HIV/Aids na década de 80 e exemplares da imprensa alternativa durante a ditadura militar.

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