Todas as Letras https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br Diversidade afetiva, sexual e de gênero Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Devota de Nossa Senhora, ex-freira e lésbica https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/27/devota-de-nossa-senhora-ex-freira-e-lesbica/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/27/devota-de-nossa-senhora-ex-freira-e-lesbica/#respond Sun, 27 Sep 2020 15:53:17 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Design-sem-nome-1-1-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=250 Esqueça o clichê do LGBT que busca na religião uma fuga para sua sexualidade. Antes de ingressar –e passar quase 9 anos –em um convento, a assistente social Marília Gabriela Holanda, 34, nem pensava em sexualidade e afetividade. “Não namorei ninguém antes de ir para o convento”, lembra. 

O caso da ex-freira é, antes de tudo, uma história de determinação. “Eu colocava todas as minhas energias naquilo [entrar para a vida religiosa]”. 

Marília Gabriela queria viver como Santa Teresinha do Menino Jesus, freira carmelita. “É uma vida totalmente reclusa. Eu queria viver como ela: entregar minha vida toda pra Jesus e viver só pra Ele”.

Com 18 anos, comunicou à mãe que iria para o convento. “Fiz aniversário em junho, em julho eu entrei”, relembra.

Parte desta fixação se deve ao tempo de estudo em colégio católico. As idas frequentes a missas e uma pesquisa incessante pela história dos santos católicos ajudaram também na escolha. “Me identificava com essa vida. E conheci a congregação na qual permaneci por este tempo, me identifiquei com a vida delas, que era uma vida de maior oração, não tinha muita missão”. 

Marília Gabriela preferiu não dizer o nome da congregação. A foto que a ex-freira enviou ao blog tem poucas informações do hábito, para evitar represálias.

“Enquanto eu vivi lá dentro, eu vivi intensamente”, conta. Mas a vida passou a ser monótona demais. E, dentro do convento, Marília Gabriela teve sua primeira paixão.

“Eu conheci uma menina, tinha um carinho muito grande por ela e a gente acabou se aproximando muito, e acabou se apaixonando. Eu não sabia bem o que eu tava sentido. Hoje eu eu sei que tava apaixonada”.

A confusão sentimental fez com que Marília Gabriela pedisse para sair. “Eu não queria viver lá dentro se não fosse da maneira correta”, afirma. “Foi muito difícil encarar o mundo aqui fora. Eu tinha deixado de estudar, ia ter de recomeçar a vida, isso assusta. Mas, como eu disse, eu sou muito determinada. Fui determinada a entrar e também a sair”, exclama. 

Antes, no entanto, teve de escrever uma carta, pedindo o desligamento. À madre superiora, Marília Gabriela revelou tudo. “Ela disse que se eu quisesse sair e tentar passar um tempo fora, continuar de hábito, e retornar ao convento, eu poderia”.

Mas Gabriela não aceitou. E voltou para a casa da mãe. Quase uma década depois, o mundo era outro, os amigos da adolescência tinham tomado outros rumos. Ah, e a primeira paixão de Marília Gabriela, dentro do convento, também pediu para sair. E não, as duas não ficaram juntas. Sequer se beijaram.

A garota retornou a sua cidade natal e as duas nunca mais se viram. “Ela apareceu na minha vida só para me dar um clique”, reflete.

Os primeiros meses na nova vida foram duros. Marília Gabriela não se reconhecia sem o hábito, teve sintomas de depressão e encontrou apoio em uma colega, também lésbica e ex-freira. “Ela me ajudou a me enxergar no mundo novamente. E acabei namorando com essa minha amiga”, relata, aos risos. “Ela foi minha primeira namorada. A gente passou 2 anos juntas”.

A história da vida pregressa de Marília Gabriela viralizou nos últimos dias na rede social TikTok. A atual namorada montou um vídeo com o antes e o depois da companheira.

Marília Gabriela e Jéssica Alves. Arquivo pessoal

“A ideia era fazer com que meus seguidores sentissem a mesma coisa que senti quando a conheci. A gente tava conversando, falamos alguma coisa sobre acordar cedo e aí ela falou que acordou por muitos anos às 4h, porque tinha sido freira. Eu tomei um baque!”, relata Jéssica Alves Mota, 28. Elas estão juntas há quase 5 anos.

“Hoje não me considero católica. Mas é difícil dizer isso porque tenho muitas crenças. Continuo devota de Nossa Senhora, acredito em Jesus, acredito em Deus. Mas não concordo com as coisas que a Igreja Católica impõe. Apesar das pessoas me criticarem, apontarem o dedo pra mim, não me importo, porque eu acredito num Deus que é amor e misericórdia, acredito que ele tá feliz comigo porque eu estou feliz”, descreve. 

Marília Gabriela diz que se algum dia sentir vontade de retornar à vida religiosa, pediria “humildemente” para voltar ao convento.

“O Deus que eu acredito não é um Deus castigador, é um Deus de amor”.

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Coletivo discute o ontem e o hoje da vivência lésbica no Brasil https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/coletivo-discute-o-ontem-e-o-hoje-da-vivencia-lesbica-no-brasil/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/19/coletivo-discute-o-ontem-e-o-hoje-da-vivencia-lesbica-no-brasil/#respond Wed, 19 Aug 2020 15:54:12 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/Design-sem-nome-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=221 Há 37 anos, mulheres lésbicas deram um basta aos recorrentes atos discriminatórios que sofriam no bar Ferro’s, ponto de encontro de parte da comunidade LGBT, no centro de São Paulo. 

O ato ficou conhecido como “stonewall brasileiro”, ainda que não tenha usado de violência, como ocorreu no bar Stonewall Inn, em Nova York. O levante, com leitura de manifesto e participação de políticos e grupos feministas, virou um marco da luta das mulheres que amam mulheres.

Com esse olhar histórico, o coletivo Cine Sapatão, que organiza exibições de filmes e discussões, vai reunir virtualmente pesquisadoras e ativistas para debater o ontem e o hoje da vivência lésbica no Brasil. O evento “(A)gosto das Lésbicas” terá ao todo cinco mesas, de 20 a 28 de agosto, com transmissão pela página do Facebook do Cine Sapatão.

O projeto tem apoio do Clube Lesbos, da Revista Alternativa L e da Editora Palavra Expressões e Letras (PEL). A participação das lésbicas na imprensa, no audiovisual e na ditadura militar brasileira serão alguns dos temas abordados.

O evento é aberto a todas as letras da sigla. Confira a programação:

20 de agosto – 20h30

Histórico da Imprensa Lésbica brasileira 

Paula Silveira-Barbosa (UEPG); Sheila Costa (Revista Alternativa L); mediação: Paula Curi 

 

22 de agosto – 17h30 

Lésbicas e ditadura militar 

Julia Kumpera (Unicamp); Hanna Korich (Editora Brejeira Malagueta); Fanny Spina (UFSC); mediação: Augusta Oliveira (Brown University).

 

23 de agosto – 13h00 

Origens do Orgulho e da Visibilidade Lésbica 

Camila Diane (UFSC); Rosângela Castro (Grupo Felipa de Sousa/ABL); mediação: Letícia Emília Batista (PUC-SP).

 

24 de agosto – 19h30 

Lésbicas negras no cinema 

Naira Évine (UFF); Sil Takazaki (UFSC); Nayla Guerra (Cine Sapatão); mediação: Vitória Bredoff – Cine Sapatão.

 

28 de agosto – 19h00

Lésbicas pesquisadoras: perspectivas e desafios 

Maria Helena Lenzi (UFSC); Suane Soares (UFRJ); mediação: Fanny Spina França (UFSC).

 

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O amor de avós e neto LGBTs que derreteu a internet https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/10/o-amor-de-avos-e-neto-lgbts-que-derreteu-a-internet/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/10/o-amor-de-avos-e-neto-lgbts-que-derreteu-a-internet/#respond Mon, 10 Aug 2020 03:28:10 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/avos-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=205 O que era pra ser só um embalo de sábado à noite acabou se tornando uma meta de relacionamento para muita gente. O vídeo de duas mulheres dançando agarradinhas ao som de “La Danza de los Mirlos”, música do grupo de cumbia peruana Los Mirlos, viralizou no Twitter no fim de semana.

Elas são Iani Costa, 68, e Margareth Medeiros, 59, e vivem na região metropolitana do Recife. As imagens são de Dante Olivier, 24, neto de Iani, e foram feitas no sábado (8). Até a publicação deste post, as imagens de apenas 10 segundos de duração já haviam sido curtidas por 100 mil usuários e vistas mais de 1 milhão de vezes.

O neto subiu o vídeo na internet sem que a avó soubesse. Ainda assim, a reação dela foi positiva. “Tá sendo revigorante, deu uma acordada, uma sensação gostosa. Tá bombando, tô viva”, reage a artesã.

Além das cenas explícitas de afeto, o vídeo surpreende por mostrar alguns segundos da intimidade de duas mulheres mais velhas, uma delas classificada pela sociedade como idosa, e que se amam. O relacionamento dura 11 anos.

Dante, Margareth e Iani

“Foi acontecendo. Eu não tava focada nisso, era uma colega de trabalho. Fomos pra frente”, relembra Iani. “Aí, comecei a conviver com a minha gatinha”.

Antes deste relacionamento, Iani foi casada por 26 anos, teve dois filhos e três netos. “Na minha época de casada, os conceitos eram outros. Meu pai era  aqueles ‘saiu da minha batuta, vai pra batuta do marido’ e eu casei com um marido assim, ditador. Eu nao era eu. Hoje eu sou eu. Talvez por isso eu seja mais feliz”, diz Iani.

“Hoje eu vivo o domingo da vida. Para mim, todo dia é domingo”, comemora.

Mas a “bomba LGBT na família” é Dante, não Iani. Ele é um homem trans. Aos 15 anos, ainda se apresentando como uma mulher cisgênero, ele foi descoberto namorando uma garota. “Foi muito difícil pra todo mundo, mas me sinto muito privilegiado de viver na família que eu tô. Aos poucos, esses assuntos foram sendo mais abordados e compreendidos”, diz o neto.

“A minha filha, mãe do Dante, nunca puxou assunto sobre sexualidade. Mas sempre foi uma coisa muito visível, porque o amor está nos olhos”, filosofa Iani. Já o outro filho, tio de Dante, participa um pouco mais da rotina da mãe. “Ele chama a Margareth de Madrecita”, comemora.

Confidentes, avó e neto LGBTs celebram juntos os afetos. “O amor é lindo. Independentemente da forma, o importante é amar. Quanto mais a gente ama, mais a gente é saudável, alegre. A gente é mais”, complementa Iani.

Dante e a avó Iani

“Eu to acostumado a entrar nas redes sociais pra ver vídeos que melhoram meu dia e pra mim foi gostoso ter postado um vídeo que melhorou a vida das pessoas”, diz Dante.

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As lésbicas que se passaram por primas para fazer sonhada viagem ao Egito https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/05/as-lesbicas-que-se-passaram-por-primas-para-fazer-sonhada-viagem-ao-egito/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/08/05/as-lesbicas-que-se-passaram-por-primas-para-fazer-sonhada-viagem-ao-egito/#respond Wed, 05 Aug 2020 09:00:57 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/estrangeiras-vale-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=195 Em alguns lugares da Europa o turismo tenta dar alguns sinais de vida. Na Espanha, 38 mil ingressos para entrada na basílica da Sagrada Família foram distribuídos de graça aos moradores de Barcelona. A medida é parte do plano de reabertura do monumento que ficou fechado por quatro meses durante a pandemia do novo coronavírus.

A jornalista Fabia Fuzeti, 43, e a produtora audiovisual Gabi Torrezani, 28, brasileiras residentes em Barcelona, estavam entre os visitantes do último domingo (2) e registraram tudo nas redes sociais do blog que assinam juntas, sobre turismo.

Foi um alívio para o feed do Instagram delas, que vinha sendo alimentado com fotos de antigos passeios ou pequenas comemorações, como quando terminou o estado de alarme na Espanha e as viagens dentro do país, fortemente atingido pela Covid-19, foram permitidas.

A retomada do turismo “tradicional” também é o recomeço de discussões sobre turismo LGBT. Fábia e Gabi são um casal, e essa informação muda tudo quando o assunto é viagem. “A gente nunca foi dentro do armário, então desde o primeiro post, a gente escrevia que era um casal, que viajávamos juntas. É a nossa vida”, relembra Fábia.

As blogueiras apontam uma carência de conteúdos específicos para LGBTs que querem viajar, sobretudo escrito por e para mulheres. “A gente precisa falar mais do que as paradas gays [pelo mundo] ou bares gays em Amsterdã”, critica Gabi.

Antes da viagem em si, há uma extensa pesquisa para além das condições do tempo, câmbio ou valor das passagens aéreas. As brasileiras buscam por leis que protegem LGBTs ou o contrário, algum tipo de regra que pune quem não se identifica como heterossexual. Países que recebem bem trabalhos de organizações não-governamentais e paradas LGBTs são possíveis bons destinos.

“Cada vez que a gente vai pra um lugar, a gente faz um post genérico: o que tem pra visitar, onde comer. Mas aí a gente faz um post específico para LGBTs: quais são os bares, o que tem de atração, como a gente se sentiu como um casal, se a gente podia dar as mãos, se a gente sentiu medo, se as pessoas olharam de cara feia”, explica Fábia.

Intermináveis dias e noites no Egito

“A gente sabia que era proibido. A gente achou que ia lidar bem”, relembram. Destino dos sonhos do casal, o país do norte da África não costuma receber bem LGBTs. Não há uma lei específica para julgar e condenar essa população, mas outras leis são usadas pra isso. O país engrossa a lista de mais de 60 nações em que relações homossexuais resultam em prisão. A maioria fica no continente africano. Segundo um relatório da Associação Internacional de Gays e Lésbicas, seis países preveem pena de morte para LGBTs.

“Depois de tanto tempo fora do armário, trabalhando com ativismo, nas férias, num momento de descanso, ter que voltar pro armário de uma maneira tão brusca, foi difícil. Foram 15 dias muito difíceis. A gente não pôde curtir todas as belezas que as pessoas não LGBT curtem”, relembram.

No Egito, elas se apresentavam como primas. E, como primas, não fazia sentido pedir uma cama de casal no hotel. Por isso, pediram duas camas de solteiro que de noite formavam uma só. Durante a viagem, Fábia fez aniversário. À meia-noite, juntas em um restaurante, elas não puderam sequer trocar um beijo. “É uma merda, você não pode dar um beijo na sua namorada porque você tá num lugar que não pode”, lamenta Fábia.

Na rua, nada de mãos dadas. “Duas mulheres ocidentais, não muçulmanas, viajando sozinhas — porque se você não tem um homem junto, você está sozinha — já causava muita estranheza. Nos hotéis, os guias falavam ‘ué, mas vocês estão sozinhas? Cadê o marido de vocês?'”

O último dia de viagem foi de comemoração. “Depois disso, a gente não quis ir mais pra lugares em que é proibido ser LGBT”, finaliza Gabi.


Ouça o podcast Todas as Letras:

Ao longo do tempo, o movimento conhecido hoje como LGBTQIA+ teve outras nomenclaturas. O L, quando recebeu reconhecimento, foi mudando de lugar no emaranhado de letras e ganhou a primeira posição. No entanto, a invisibilidade ainda é uma das maiores queixas das mulheres que se identificam como lésbicas. O 4° episódio do Todas as Letras, podcast de diversidade afetiva, sexual e de gênero da Folha, discutiu exatamente o que falta para que o devido reconhecimento seja dado. Para isso, duas mulheres, de gerações diferentes, trocam cartas que escreveram para si mesmas com relatos do passado e pretensões para o futuro:

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