Todas as Letras https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br Diversidade afetiva, sexual e de gênero Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Nós sabemos https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/02/02/nos-sabemos/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/02/02/nos-sabemos/#respond Wed, 03 Feb 2021 01:33:18 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/foto_rn-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=316  

“O meu apelo, meu convite, minha saudação a todos os devotos e devotas de Nossa Senhora da Piedade, sobretudo para aqueles que estão em suas casas, para que através das redes sociais se sintam muito unidos”.

Esse apelo por união feito pelo arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha, aconteceu logo depois dele se recusar a estar na presença do jovem Ricardo Sérgio, da equipe de comunicação da paróquia Nossa Senhora da Piedade, de Espírito Santo, interior do Rio Grande do Norte.

Pelas palavras captadas no vídeo, fica pouco claro o que incomoda o religioso. Pela expressão corporal, fica evidente o motivo. Nas redes sociais, o trecho da transmissão ao vivo recebeu uma enxurrada de comentários, quase todos em apoio ao jovem repórter e contra a homofobia.

E não importa se Ricardo Sérgio, morador de uma cidade com mais de 10 mil habitantes, é ou não gay. O que importa é entender o que o arcebispo de Natal, Dom Jaime Vieira Rocha,  quis dizer quando afirmou que “vivemos num mundo muito complexo”. 

Eu fiz essa pergunta à arquidiocese da capital potiguar. A resposta veio em nota. “Venho através desta, como já fiz pessoalmente por telefone, pedir desculpas se posso ter causado algum inconveniente aos irmãos dessa amada paróquia. Quem me conhece sabe que não é do meu caráter e se afasta dos ensinamentos cristãos, que há 46 anos tenho por missão difundir e levar a quantos queiram ouvir, causar qualquer tipo de constrangimento ou desqualificar quem quer que seja. Ao agente Ricardo Sérgio e demais membros daquela equipe da Pascom, meu reconhecimento pelo importante trabalho que desempenham, bem como todas as equipes da Pastoral da Comunicação em nossas paróquias”.

A falta de uma resposta objetiva dá margem a interpretações. O que o arcebispo quis dizer? Por que ele se negou a falar com o repórter? Por que “o mundo complexo” em que vivemos o fez desistir de estar diante daquele jovem?

Você que me lê e é LGBT talvez saiba. Se em algum momento, sobretudo na infância ou adolescência, você teve de corrigir o jeito de andar, ou de falar, você sabe. Se foi vítima de piadas ou risinhos por apenas existir, por vestir uma determinada peça de roupa, você sabe.

Se já  sentiu o soco no estômago e o gosto amargo na boca de ser rejeitado por alguém que admirava só por ser quem você é, como fica evidente no rosto de Ricardo Sérgio, você sabe.

Nós sabemos. E não nos esqueceremos.

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Devota de Nossa Senhora, ex-freira e lésbica https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/27/devota-de-nossa-senhora-ex-freira-e-lesbica/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/27/devota-de-nossa-senhora-ex-freira-e-lesbica/#respond Sun, 27 Sep 2020 15:53:17 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Design-sem-nome-1-1-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=250 Esqueça o clichê do LGBT que busca na religião uma fuga para sua sexualidade. Antes de ingressar –e passar quase 9 anos –em um convento, a assistente social Marília Gabriela Holanda, 34, nem pensava em sexualidade e afetividade. “Não namorei ninguém antes de ir para o convento”, lembra. 

O caso da ex-freira é, antes de tudo, uma história de determinação. “Eu colocava todas as minhas energias naquilo [entrar para a vida religiosa]”. 

Marília Gabriela queria viver como Santa Teresinha do Menino Jesus, freira carmelita. “É uma vida totalmente reclusa. Eu queria viver como ela: entregar minha vida toda pra Jesus e viver só pra Ele”.

Com 18 anos, comunicou à mãe que iria para o convento. “Fiz aniversário em junho, em julho eu entrei”, relembra.

Parte desta fixação se deve ao tempo de estudo em colégio católico. As idas frequentes a missas e uma pesquisa incessante pela história dos santos católicos ajudaram também na escolha. “Me identificava com essa vida. E conheci a congregação na qual permaneci por este tempo, me identifiquei com a vida delas, que era uma vida de maior oração, não tinha muita missão”. 

Marília Gabriela preferiu não dizer o nome da congregação. A foto que a ex-freira enviou ao blog tem poucas informações do hábito, para evitar represálias.

“Enquanto eu vivi lá dentro, eu vivi intensamente”, conta. Mas a vida passou a ser monótona demais. E, dentro do convento, Marília Gabriela teve sua primeira paixão.

“Eu conheci uma menina, tinha um carinho muito grande por ela e a gente acabou se aproximando muito, e acabou se apaixonando. Eu não sabia bem o que eu tava sentido. Hoje eu eu sei que tava apaixonada”.

A confusão sentimental fez com que Marília Gabriela pedisse para sair. “Eu não queria viver lá dentro se não fosse da maneira correta”, afirma. “Foi muito difícil encarar o mundo aqui fora. Eu tinha deixado de estudar, ia ter de recomeçar a vida, isso assusta. Mas, como eu disse, eu sou muito determinada. Fui determinada a entrar e também a sair”, exclama. 

Antes, no entanto, teve de escrever uma carta, pedindo o desligamento. À madre superiora, Marília Gabriela revelou tudo. “Ela disse que se eu quisesse sair e tentar passar um tempo fora, continuar de hábito, e retornar ao convento, eu poderia”.

Mas Gabriela não aceitou. E voltou para a casa da mãe. Quase uma década depois, o mundo era outro, os amigos da adolescência tinham tomado outros rumos. Ah, e a primeira paixão de Marília Gabriela, dentro do convento, também pediu para sair. E não, as duas não ficaram juntas. Sequer se beijaram.

A garota retornou a sua cidade natal e as duas nunca mais se viram. “Ela apareceu na minha vida só para me dar um clique”, reflete.

Os primeiros meses na nova vida foram duros. Marília Gabriela não se reconhecia sem o hábito, teve sintomas de depressão e encontrou apoio em uma colega, também lésbica e ex-freira. “Ela me ajudou a me enxergar no mundo novamente. E acabei namorando com essa minha amiga”, relata, aos risos. “Ela foi minha primeira namorada. A gente passou 2 anos juntas”.

A história da vida pregressa de Marília Gabriela viralizou nos últimos dias na rede social TikTok. A atual namorada montou um vídeo com o antes e o depois da companheira.

Marília Gabriela e Jéssica Alves. Arquivo pessoal

“A ideia era fazer com que meus seguidores sentissem a mesma coisa que senti quando a conheci. A gente tava conversando, falamos alguma coisa sobre acordar cedo e aí ela falou que acordou por muitos anos às 4h, porque tinha sido freira. Eu tomei um baque!”, relata Jéssica Alves Mota, 28. Elas estão juntas há quase 5 anos.

“Hoje não me considero católica. Mas é difícil dizer isso porque tenho muitas crenças. Continuo devota de Nossa Senhora, acredito em Jesus, acredito em Deus. Mas não concordo com as coisas que a Igreja Católica impõe. Apesar das pessoas me criticarem, apontarem o dedo pra mim, não me importo, porque eu acredito num Deus que é amor e misericórdia, acredito que ele tá feliz comigo porque eu estou feliz”, descreve. 

Marília Gabriela diz que se algum dia sentir vontade de retornar à vida religiosa, pediria “humildemente” para voltar ao convento.

“O Deus que eu acredito não é um Deus castigador, é um Deus de amor”.

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Deve ser um inferno ser LGBTfóbico https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/20/deve-ser-um-inferno-ser-lgbtfobico/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/09/20/deve-ser-um-inferno-ser-lgbtfobico/#respond Mon, 21 Sep 2020 02:40:05 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/Design-sem-nome-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=237 Os dias têm sido difíceis para os homofóbicos. Fiquei por alguns minutos olhando as fotos do casamento da Mulher Pepita. Ela estava toda de branco, emocionada, feliz. Talvez muitos homofóbicos tenham perdido também alguns minutos vendo essa foto, espumando sentimentos menos nobres do que os meus.

É que não há dia santo dia que alguém não ladre impropérios contra a comunidade LGBT. Mais recentemente foram os religiosos André e Ana Paula Valadão, pastores da Igreja Batista da Lagoinha, que voltaram ao noticiário com declarações antigas e recentes contra lésbicas, gays, bissexuais e trans.

Homofóbicos tratam “os gays” como se fossem pessoas que não pudessem sentar no mesmo banco de igreja que eles, não pudessem fazer uma prece ao mesmo Deus que o deles, não pudessem organizar um casamento.

Para os homofóbicos, “os gays” estão sempre lá, longe. Na festa fechada, na sauna, no bar lésbico, na boate, dançando em cima de um balcão. A péssima notícia (para os homofóbicos) é que LGBTs também  podem frequentar igrejas, fazer orações, casar de branco, morar num prédio de alto padrão e até fazer a gentileza de segurar a porta do elevador.

Seria inocente não pontuar que o discurso de ódio vira ato de ódio. Quando eu vejo as fotos do casamento de Pepita penso imediatamente em Dandara dos Santos, travesti moradora de Fortaleza. O discurso de ódio a espancou, a cultura do ódio a assassinou, em 2017. Será que Dandara algum dia sonhou em se casar?

Pepita sonhou. E realizou. O discurso de ódio que assassinou Dandara não impediu que Pepita se casasse, fosse feliz. E isso não deve fazer sentido para um propagador de ódio e intolerância.

É horrível ser vítima de LGBTfobia. Mas parece que ser LGBTfóbico tem sido um inferno.

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