Todas as Letras https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br Diversidade afetiva, sexual e de gênero Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Se um disco voador pousasse na Paulista https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/se-um-disco-voador-pousasse-na-paulista/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/07/11/se-um-disco-voador-pousasse-na-paulista/#respond Sun, 11 Jul 2021 09:00:13 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/nave-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=458 Se um disco voador pousasse na avenida Paulista ninguém perceberia. Essa é a teoria que uma amiga querida me contou certa vez. Estaríamos, segundo ela, tão imersos nos nossos eus que nem daríamos atenção a uma bizarrice como essa. 

Ela ouviu essa hipótese desvairada de alguém e me transmitiu bem antes da pandemia, quando certamente as ameaças que nos rondavam era menos apocalípticas comparados aos dias de hoje.

No Brasil pandêmico,  muitos de nós têm lutado contra um vírus mortal, contra um presidente golpista, contra a fome, contra a desesperança. Essas tarefas árduas e os demais afazeres têm feito com que relativizemos todo o resto, parece.

Em menos de um mês, quatro mulheres trans foram mortas em Pernambuco. E continuamos andando pela avenida Paulista como se os aliens não tivessem acabado de pousar, prontos para atirar em nossos cérebros, implantar-nos chips e iniciar experimentos macabros com nossos corpos.

O que nos faz relevar a vida e morte de Roberta, uma dessas mulheres, incendiada no centro do Recife, aos 32 anos? Ela teve 40% do corpo queimado, os dois braços amputados e morreu no hospital da Restauração, no centro da cidade.

Quero acreditar que seja nossa legítima e árdua luta pela sobrevivência e não um total desprezo o motivo do nosso desapreço.

Do outro lado do Atlântico, uma reação inversamente proporcional à nossa em um caso bem parecido me chamou atenção.

Na Espanha, Samuel Luiz Muñiz, um brasileiro, gay, foi espancado até a morte na porta de uma boate em La Coruña. O crime, motivado possivelmente por homofobia, chocou o país e protestos tomaram as ruas.

A Espanha tem vacinado sua população (vive agora um aumento de infecções por covid depois de afrouxar demais restrições, é verdade) e não tem um fã de torturador no poder. Será que esse é o segredo? Senão, como é que eles viram a nave descendo?

Pelo retrovisor, o Brasil vê barbáries e mais barbáries sem nunca ter gritado um ai: só no primeiro semestre deste ano, 89 pessoas trans foram mortas no Brasil, sendo 80 assassinatos e 9 suicídios. Os dados foram compilados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). De acordo com o boletim, houve ainda 33 tentativas de assassinatos e 27 violações de direitos humanos. Em seis meses.

Ao que tudo indicada, a nave extraterrestre já pousou na Paulista. E parece que estão atirando.

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Um peixe fora d’água https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/um-peixe-fora-dagua/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/um-peixe-fora-dagua/#respond Tue, 27 Apr 2021 09:00:56 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Design-sem-nome-5-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=375 É assim, meio isolada, que Yara Lins, 32, se sente. “Se vocês conhecerem travestis que trabalham com máquinas, me marquem. Sabe peixe fora d’água? Sou eu”, diz em um vídeo postado no TikTok no começo de abril. 

A tratorista e também cabeleireira ainda não encontrou outra trans que pilotem uma máquina parecida. Mas, convenhamos, fica difícil encontrar uma variedade tão grande de gente numa cidade tão pequena quanto Comendador Gomes, em Minas Gerais, onde Yara vive.

Eu moro numa cidade de 3 mil habitantes. A primeira trans da cidade que se casou, que ficou 10 anos casada”, garante.

Yara conseguiu o emprego depois de ser indicada pelo ex-marido a uma vaga na empresa de aplicação de defensivos agrícolas em lavouras de laranja. “A empresa tinha medo [de me contratar]. Achavam que eu não ia dar conta. Meu ex-marido disse pra eu fazer o teste. E eu estou neste serviço até hoje”, comemora.

A cabeleireira e tratorista Yara Lins – arquivo pessoal

O emprego frutificou, o casamento não. O término da relação, bastante doído, foi o catalisador da ida de Yara para o TikTok. “Eu tive um começo de ansiedade e de depressão após a separação e eu passei a colocar a minha vida ali [na rede social]. As pessoas me incentivavam a fazer os vídeos também, porque sabem que é raro uma travesti fazer o que eu faço”, conta.

Yara tem mais de 7 mil seguidores, 50 mil curtidas e o coração ainda quebrado. “Tô bem machucada ainda. Você vive 10 anos com uma pessoa e termina ouvindo cada coisa, sabe? Então machuca”, desabafa a tratorista.

Roçadeiras, atomizadores e barras de herbicida são outras ferramentas de trabalho operadas por Yara durante o turno que começa às 6 da manhã e termina às 5 da tarde. À noite e aos fins de semana, o trabalho é no salão de beleza. “E eu não gostava de trator nem de cortar cabelo. Hoje em dia são minhas paixões”, confessa.

Tópico comum na biografia de muitas mulheres trans, a prostituição aparece no currículo de Yara. “Eu trabalhava com corte de cana e uma amiga me chamou para fazer programa. Vi homens matando travestis perto de mim, em Goiânia, e eu falei ‘isso não é pra mim’. É muito sofrido você ter relação sexual com uma pessoa que você não quer pra conseguir dinheiro”, desabafa.

Além de Goiânia, Yara “fez rua” em Fronteira, no interior de Minas Gerais, e em Itumbiara, Goianira e Inhumas, todas no interior de Goiás.

Na internet, Yara responde a perguntas de internautas. “A gente é capaz de absorver muita coisa e de ensinar muita coisa, então o que as pessoas me perguntam eu nunca levei como maldade. As pessoas têm curiosidade em saber, então eu respondo”, diz.

“As pessoas sempre veem travesti como droga, doença ou prostituição. Foi aí que pensei em abrir pra perguntas. Já perguntaram se eu sou operada, por exemplo. E eu respondo”, explica Yara.

Na empresa, ela conquistou o direito de usar o vestiário feminino e, depois de sua chegada ao quadro de funcionários, palestras sobre diversidade entraram na agenda de treinamentos. “As pessoas me perguntam como que eu trabalho, às vezes à noite, com mais de 30 homens e só eu lá, de mulher. Eu imponho respeito”, finaliza a tratorista e cabeleireira Yara Lins.

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Coral trans se apresentará na posse de Joe Biden https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/01/19/coral-trans-se-apresentara-na-posse-de-joe-biden/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/01/19/coral-trans-se-apresentara-na-posse-de-joe-biden/#respond Tue, 19 Jan 2021 17:53:56 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/chorus_la-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=310 Um coral formado por cantores e cantoras trans será uma das atrações do evento que marca a posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos nesta quarta-feira (20).

Segundo o Comitê Inaugural Presidencial, as apresentações serão virtuais. O evento será apresentado pelo ator, diretor e produtor Tony Goldwyn.

The Trans Chorus of Los Angeles/ Divulgação

O The Trans Chorus de Los Angeles é considerado pioneiro no país norte-americano ao abrir espaço para cantores trans, não binários e intersexo. A organização sem fins lucrativos nasceu em 2015 a partir do Gay Men’s Chorus, também de Los Angeles.

Este é mais um dos acenos do novo presidente estadunidense à comunidade LGBT, sobretudo às pessoas trans. Biden anunciou nesta terça-feira (19) a nomeação de Rachel Levine, uma mulher trans, para ser secretária assistente de Saúde.

Segundo o jornal The New York Times, Levine liderou a resposta da Pensilvânia à pandemia do coronavírus.

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Valeu, Drauzio https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/03/02/valeu-drauzio/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/03/02/valeu-drauzio/#respond Mon, 02 Mar 2020 19:20:24 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/38d183d5c612f9127c413ef7bc370f803728dc748d331b86d3b4bdcfc438a80b_5cb288762b86f-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=63 Drauzio Varella parece ser uma unanimidade. Seu poderoso serviço prestado nos últimos dias ao explicar o novo coronavírus, com o didatismo de sua voz serena, o reafirma como uma figura querida dos brasileiros.

No entanto, uma reportagem conduzida pelo médico no programa Fantástico do último domingo (1) não foi sobre o vírus, mas sobre mulheres trans encarceradas, tema que ele conhece bem desde os anos do Carandiru. Talvez ela tenha abalado essa concordância absoluta sobre sua imagem. Afinal, Drauzio tocou em pontos que, como sociedade, preferimos colocar sob o tapete ou jogar na conta do mimimi.

Diferentemente do coronavírus, não há máscara que dê conta de nos distanciar da existência de pessoas que vivem num conflito entre gênero e sexo biológico. Foram mais de 13 minutos de imagens em primeiro plano de mulheres transgênero e travestis custodiadas em penitenciárias paulistas e pernambucanas.

Camisinha, HIV/Aids, casamento, religião, nome social e cirurgia de redesignação sexual foram tópicos levantados. Até imagens de um casamento e um beijo entre uma mulher trans e um homem cisgênero apareceram no vídeo.

Mesmo que nenhum destes temas tenha sensibilizado a mais conservadora das audiências, a edição do material chocou ao falar de solidão: a inescapável sensação que em algum momento acomete os seres que vivem em coletivo. Há pelo menos 8 anos sem receber visitas na cadeia, o desabafo da detenta Susy de Oliveira Santos nos lembrou que podemos ficar sozinhos no mundo.

As histórias narradas por Drauzio no domingo à noite da família brasileira não são dramalhão. Mostram, na verdade, casos de gente que errou e está pagando. Ser LGBT não significa ser um semideus, e o contexto da reportagem explicita isso. Bingo. “Nós” e “eles” parecidos de novo, humanos.

Usar máscara no nariz e na boca pra se proteger de vírus que atacam as vias aéreas é uma escolha. Usar vendas nos olhos pra não ver no outro humanidade é um equívoco. Valeu, Drauzio.

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Dois Brasis: o que mata pessoas trans e o que paga para transar com pessoas trans https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/dois-brasis-o-que-mata-pessoas-trans-e-o-que-paga-para-transar-com-pessoas-trans/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/dois-brasis-o-que-mata-pessoas-trans-e-o-que-paga-para-transar-com-pessoas-trans/#respond Wed, 29 Jan 2020 10:00:00 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ALVOS-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=21 O Brasil continua na primeira posição na lista dos países que mais matam travestis e transexuais no mundo. Os números estão no levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgados nesta quarta-feira (29), e usam informações da ONG alemã Transgender Europe (TGEU) para fazer a comparação com outros países.

No ano de 2019, a associação brasileira confirmou 124 assassinatos de pessoas trans, sendo 121 travestis e mulheres transexuais e 3 homens trans. O número é menor em relação ao ano anterior, quando 163 pessoas trans foram assassinadas no país. O pico histórico da medição (feita desde 2008) é 2017, quando 179 pessoas foram mortas.

A metodologia do levantamento lança mão de pesquisa de casos relatados em reportagens jornalísticas. Há, ainda, registros baseados em depoimentos de testemunhas e instituições LGBTI. A associação reconhece a fragilidade dos dados, e critica o governo pela não existência de dados oficiais sobre os assassinatos de pessoas trans no Brasil. Outra queixa aponta para uma suposta subnotificação dos crimes.

29 de janeiro é, desde 2004, reconhecido como Dia da Visibilidade de Tansexuais e Travestis. À época, 27 pessoas trans estiveram no Congresso Nacional, em Brasília, em uma ação que pedia “mais respeito”.

O respeito, mostram os números apresentados acima, ainda não veio.

Mais intrigante que isso, só os dados que mostram uma outra face (igualmente violenta) do estigma que os representantes da letra T da sigla LGBTQIA+ sofrem: a fetichização.

O Google Trends, ferramenta do Google que analisa tendências de busca, mostra que, em um ano, a busca pela palavra travesti , por exemplo, se manteve estável.

O valor 100 na linha vertical representa o pico de popularidade de um termo no serviço de busca. A palavra travesti, de janeiro de 2019 a janeiro de 2020, oscilou entre 75 e 100, se mantendo próxima do pico.

As cinco principais consultas relacionadas à palavra travesti são: travesti com travesti; travesti pornô; sexo travesti; travesti comendo travesti; travesti comendo. Todos os outros 20 termos buscados mostram a palavra travesti relacionada com prostituição ou conteúdo pornográfico.

Os números sugerem que há um Brasil que espanca e mata pessoas trans e um Brasil que se masturba e paga para transar com pessoas trans. Ou talvez seja o mesmo país.

Para quem está em São Paulo

A Prefeitura e o governo de São Paulo vão oferecer serviços às pessoas trans nesta quarta-feira (29).

Serviços de emissão de RG e certidão de nascimento com nome social e pré-seleção para vagas de emprego em empresas que têm setores voltados à diversidade estão entre as atividades.

A programação do Dia da Visibilidade Trans inclui ainda palestras sobre mercado de trabalho, terapia hormonal e performances artísticas. Os serviços vão ocorrer no Largo do Arouche, na República, entre 9h e 16h.

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