Todas as Letras https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br Diversidade afetiva, sexual e de gênero Wed, 01 Dec 2021 18:54:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Um peixe fora d’água https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/um-peixe-fora-dagua/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/27/um-peixe-fora-dagua/#respond Tue, 27 Apr 2021 09:00:56 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Design-sem-nome-5-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=375 É assim, meio isolada, que Yara Lins, 32, se sente. “Se vocês conhecerem travestis que trabalham com máquinas, me marquem. Sabe peixe fora d’água? Sou eu”, diz em um vídeo postado no TikTok no começo de abril. 

A tratorista e também cabeleireira ainda não encontrou outra trans que pilotem uma máquina parecida. Mas, convenhamos, fica difícil encontrar uma variedade tão grande de gente numa cidade tão pequena quanto Comendador Gomes, em Minas Gerais, onde Yara vive.

Eu moro numa cidade de 3 mil habitantes. A primeira trans da cidade que se casou, que ficou 10 anos casada”, garante.

Yara conseguiu o emprego depois de ser indicada pelo ex-marido a uma vaga na empresa de aplicação de defensivos agrícolas em lavouras de laranja. “A empresa tinha medo [de me contratar]. Achavam que eu não ia dar conta. Meu ex-marido disse pra eu fazer o teste. E eu estou neste serviço até hoje”, comemora.

A cabeleireira e tratorista Yara Lins – arquivo pessoal

O emprego frutificou, o casamento não. O término da relação, bastante doído, foi o catalisador da ida de Yara para o TikTok. “Eu tive um começo de ansiedade e de depressão após a separação e eu passei a colocar a minha vida ali [na rede social]. As pessoas me incentivavam a fazer os vídeos também, porque sabem que é raro uma travesti fazer o que eu faço”, conta.

Yara tem mais de 7 mil seguidores, 50 mil curtidas e o coração ainda quebrado. “Tô bem machucada ainda. Você vive 10 anos com uma pessoa e termina ouvindo cada coisa, sabe? Então machuca”, desabafa a tratorista.

Roçadeiras, atomizadores e barras de herbicida são outras ferramentas de trabalho operadas por Yara durante o turno que começa às 6 da manhã e termina às 5 da tarde. À noite e aos fins de semana, o trabalho é no salão de beleza. “E eu não gostava de trator nem de cortar cabelo. Hoje em dia são minhas paixões”, confessa.

Tópico comum na biografia de muitas mulheres trans, a prostituição aparece no currículo de Yara. “Eu trabalhava com corte de cana e uma amiga me chamou para fazer programa. Vi homens matando travestis perto de mim, em Goiânia, e eu falei ‘isso não é pra mim’. É muito sofrido você ter relação sexual com uma pessoa que você não quer pra conseguir dinheiro”, desabafa.

Além de Goiânia, Yara “fez rua” em Fronteira, no interior de Minas Gerais, e em Itumbiara, Goianira e Inhumas, todas no interior de Goiás.

Na internet, Yara responde a perguntas de internautas. “A gente é capaz de absorver muita coisa e de ensinar muita coisa, então o que as pessoas me perguntam eu nunca levei como maldade. As pessoas têm curiosidade em saber, então eu respondo”, diz.

“As pessoas sempre veem travesti como droga, doença ou prostituição. Foi aí que pensei em abrir pra perguntas. Já perguntaram se eu sou operada, por exemplo. E eu respondo”, explica Yara.

Na empresa, ela conquistou o direito de usar o vestiário feminino e, depois de sua chegada ao quadro de funcionários, palestras sobre diversidade entraram na agenda de treinamentos. “As pessoas me perguntam como que eu trabalho, às vezes à noite, com mais de 30 homens e só eu lá, de mulher. Eu imponho respeito”, finaliza a tratorista e cabeleireira Yara Lins.

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Anyky Lima: a travesti que pôde envelhecer https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/anyky-lima-a-travesti-que-pode-de-envelhecer/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2021/04/14/anyky-lima-a-travesti-que-pode-de-envelhecer/#respond Wed, 14 Apr 2021 19:24:12 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Design-sem-nome-300x215.png https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=352 Morreu na manhã desta quarta-feira (14) em Belo Horizonte a travesti e ativista LGBT Anyky Lima, aos 65 anos. Ela estava em tratamento contra um câncer no reto, descoberto há um ano, já em estágio avançado. 

Chegar à chamada terceira idade é por si só um grande feito quando se trata da população trans. Anyky era velha e se orgulhava disso.

Anyky Lima – reprodução/Instagram

“Esperamos que ela tenha um descanso merecido”, lamentou Keila Simpson, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que confirmou o falecimento da amiga.

Aos 12 anos, Anyky foi expulsa de casa, no Rio de Janeiro, por ser LGBT. Na rua, trabalhou até os 50 anos como profissional do sexo. “Eu conheci o amor, eu conheci o dinheiro, eu conheci tudo nesse lugar [na rua]. Então eu não posso dizer que a prostituição e a zona foram ruins pra mim. Foi um aprendizado para que eu pudesse sobreviver”, disse Anyky em entrevista ao Projeto Colabora.

A ativista relatou ter sido detida por diversas vezes durante a ditadura militar, ter perdido amigos e colegas de trabalho durante o período mais duro da pandemia de HIV e ter sofrido até seus últimos dias os efeitos perversos da aplicação de silicone industrial. “Tudo o que eu consegui foi com meu corpo, minha luta”, definiu Anyky, em entrevista publicada em 2018.

Diante de sua máquina de costura, vó Anyky, como era chamada por muitos LGBTs, fez pequenas revoluções.”Eu desejo que as ações que ela fez aqui, tirando animais da rua, tirando pessoas em situações de rua, sejam reconhecidas e não tenham fim”, desejou Keila.

“Ela nos ensinou a não desistir, a ir buscar e fazer valer nossos direitos. Anyky é sinônimo de luta”, definiu Gisella Lima, coordenadora de projetos que morou por uma década com a ativista.

Anyky foi presidente do Cellos-MG (Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais) e representante da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) no estado.

O corpo dela será sepultado nesta quinta-feira (15), em Belo Horizonte, em cerimônia restrita devido à pandemia de coronavírus.

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Dois Brasis: o que mata pessoas trans e o que paga para transar com pessoas trans https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/dois-brasis-o-que-mata-pessoas-trans-e-o-que-paga-para-transar-com-pessoas-trans/ https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/2020/01/29/dois-brasis-o-que-mata-pessoas-trans-e-o-que-paga-para-transar-com-pessoas-trans/#respond Wed, 29 Jan 2020 10:00:00 +0000 https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/ALVOS-300x215.jpg https://todasasletras.blogfolha.uol.com.br/?p=21 O Brasil continua na primeira posição na lista dos países que mais matam travestis e transexuais no mundo. Os números estão no levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgados nesta quarta-feira (29), e usam informações da ONG alemã Transgender Europe (TGEU) para fazer a comparação com outros países.

No ano de 2019, a associação brasileira confirmou 124 assassinatos de pessoas trans, sendo 121 travestis e mulheres transexuais e 3 homens trans. O número é menor em relação ao ano anterior, quando 163 pessoas trans foram assassinadas no país. O pico histórico da medição (feita desde 2008) é 2017, quando 179 pessoas foram mortas.

A metodologia do levantamento lança mão de pesquisa de casos relatados em reportagens jornalísticas. Há, ainda, registros baseados em depoimentos de testemunhas e instituições LGBTI. A associação reconhece a fragilidade dos dados, e critica o governo pela não existência de dados oficiais sobre os assassinatos de pessoas trans no Brasil. Outra queixa aponta para uma suposta subnotificação dos crimes.

29 de janeiro é, desde 2004, reconhecido como Dia da Visibilidade de Tansexuais e Travestis. À época, 27 pessoas trans estiveram no Congresso Nacional, em Brasília, em uma ação que pedia “mais respeito”.

O respeito, mostram os números apresentados acima, ainda não veio.

Mais intrigante que isso, só os dados que mostram uma outra face (igualmente violenta) do estigma que os representantes da letra T da sigla LGBTQIA+ sofrem: a fetichização.

O Google Trends, ferramenta do Google que analisa tendências de busca, mostra que, em um ano, a busca pela palavra travesti , por exemplo, se manteve estável.

O valor 100 na linha vertical representa o pico de popularidade de um termo no serviço de busca. A palavra travesti, de janeiro de 2019 a janeiro de 2020, oscilou entre 75 e 100, se mantendo próxima do pico.

As cinco principais consultas relacionadas à palavra travesti são: travesti com travesti; travesti pornô; sexo travesti; travesti comendo travesti; travesti comendo. Todos os outros 20 termos buscados mostram a palavra travesti relacionada com prostituição ou conteúdo pornográfico.

Os números sugerem que há um Brasil que espanca e mata pessoas trans e um Brasil que se masturba e paga para transar com pessoas trans. Ou talvez seja o mesmo país.

Para quem está em São Paulo

A Prefeitura e o governo de São Paulo vão oferecer serviços às pessoas trans nesta quarta-feira (29).

Serviços de emissão de RG e certidão de nascimento com nome social e pré-seleção para vagas de emprego em empresas que têm setores voltados à diversidade estão entre as atividades.

A programação do Dia da Visibilidade Trans inclui ainda palestras sobre mercado de trabalho, terapia hormonal e performances artísticas. Os serviços vão ocorrer no Largo do Arouche, na República, entre 9h e 16h.

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